A primeira segunda-feira depois do carnaval parece ser o dia que o Brasil começa a voltar ao normal… começa, porque eu acho que o povo tupiniquim só coloca os pés no chão mesmo em março, mas isso é assunto para outro post.
Belo Horizonte hoje amanheceu com calor escaldante, abafado e com uma ótima notícia para os trabalhadores: greve de transporte público… nenhum ônibus rodando! Imaginem o caos!! Eu costumo ir trabalhar à pé, e logo cedinho, saindo na rua, dava pra perceber como as pessoas já estavam estressadas, e as ruas cheias, e as buzinhas… na cidade grande a gente não pode mais se dar ao luxo de não ter pressa! E junto com a pressa, parece que todo mundo sofre de ansiedade crônica! Ninguém vê nada à volta: o céu que estava lindamente azul, as quaresmeiras que estão todas em flor…
Lidar com essa correria e oferecer um contraponto, é uma das coisas que eu mais gosto como professora de yoga. É impressionante, a pessoa chega “esbaforida” na aula, atrasada, correndo… e você vai dizendo, “agora, deixe tudo que te incomoda do lado de fora da sala, e entre em contato apenas com o ritmo da sua respiração… permita-se passar essa hora apenas com você…” quantas vezes por semana nós nos permitimos estar apenas conosco mesmos?
O tempo passa, corre e a gente com tanta pressa, acaba não fazendo tudo que planejou… e não faz pausas, e fica cansado, e não celebra a vida, a presença das pessoas que amamos perto de nós, e quando percebemos, estamos desacostumados de amar e sermos amados, desaprendemos como ter um contato afetivo com o outro.
Fico pensando nas nossas incoerências e de onde vem essa insatisfação permanente do ser humano. Nunca nos contentamos com as coisas boas que temos ou conquistamos, só focamos no que não temos. Já repararam como somos ainda mais incoerentes quando se trata do amor? Tenho vários amigos solteiros que reclamam da “oferta de solteiras”, e amigas solteiras para as quais nenhum rapaz que apresento serve.
É engraçado, parece que está todo mundo no escuro, vendado, tateando por aí pra se encontrar, mas sempre se buscando um algo além, que não se sabe o que é! Todos infelizes carentes presos em um castelo de conto de fadas que eles mesmos criaram.
Ninguém pensa que todas pessoas do mundo, não importa quão belas, ou quão bem sucedidas, terão algum defeito, e o amor consiste muito mais em ver a pessoa como ela é e envolvê-la generosamente para que ela tenha motivação para ser melhor a cada dia – não é isso que sonhamos para nós mesmos?
Nós sempre queremos tanta indulgência com nossos defeitos, mas não aceitamos nada do outro, um mínimo deslize. E o que se percebe são pessoas indeterminadamente procurando um amor surreal, fenomenal, encantado, que vai despertar sensações fantásticas e imediatas… como se a perfeição existisse nesse mundo e o amor não fosse fruto de uma construção lúcida, decidida e longa.
Os que já encontraram seus príncipes e princesas não são tão diferentes… observem como nós somos compreensivos com nossos amigos, conhecemos seus defeitos e os aceitamos, ajudamos… porque são nossos amigos, e amizade é um amor livre de interesses… mas no “ser amado” o nosso escolhido, o eleito para ser o companheiro de uma vida. Coitado dele se cometer um pequeno erro! O que seria motivo de riso entre amigos, vira uma falha grave! Tudo ofende, tudo é motivo de cobrança… o que há?
Eu creio que o amor verdadeiro carrega uma dose muito grande de perdão… não estou dizendo que temos que ser pisados, ceder tudo, ser humilhados… isso não, porque amor só existe com respeito, confiança e admiração. Mas falo do perdão no sentido daquela generosidade que não vê pequenas falhas, aquelas totalmente toleráveis, que geralmente se usa para jogar na cara do parceiro e infernizar-lhe a vida. “O Amor cobre a multidão de pecados”, assim disse Pedro, apóstolo de Jesus, e eu acho que isso é uma verdade imortal. Se você ama, você perdoa e vê o outro além de suas falhas – que nós também temos.
É engraçado de se observar as pessoas e suas “DR’s” o famoso “discutir a relação”. Eu acredito que um relacionamento deve ser baseado num diálogo, mas isso deve ser construído de maneira muito clara, de forma que as duas pessoas possam dizer o que pensan, sem tanto melindrarem… sem tanta frescura. Mas as tais DR’s costumam me irritar, quando minhas amigas ou amigos me contam, ou quando presencio uma.
Tem ocorrido um fenômeno curioso, ao invés de conversarem para resolver, as pessoas conversam sem objetivo. O objetivo é melhorar a relação? Ótimo? Então deveria ser discutido maneiras de resolver, de conviver melhor, de lidar com o problema em questão. O que se faz? Um joga no outro todas as falhas que não tolera, e o outro, pra não ficar pra tras, faz o mesmo. A questão é que isso não resolve nada! Só machuca e aumenta a mágoa. De que adianta fazer uma discussão baseada no passado? Você já sabia disso quando conheceu a pessoa, por que agora não tolera essa característica, ou essa mania, ou esse defeito?
As DR’s seriam úteis se fossem pra discutir com base no futuro, no amor… você ama essa pessoa? Quer ficar com ela? Querem ficar juntos e construir algo? O que fazer para aparar as arestas? Como lidar com as diferenças de personalidade. Digo isso porque a nossa maior ilusão é querer mudar o outro… nós mal conseguimos lidar com nossos defeitos e corrigí-los, temos medo, temos preguiça… porque queremos concertar o outro, se nem Deus impõe mudança imediata à nós? Nesse ponto, nos falta senso de realidade… se você não ama a pessoa o suficiente para aguentar-lhe o temperamento, talvez seja melhor prosseguir sua vida e buscar outra pessoa compatível. Não estou fazendo apologia à relacionamentos descartáveis, mas se você passa a vida tentando mudar o outro, não estaria tentando transformá-lo em outra pessoa?
Pense no que te fez apaixonar-se por essa pessoa, veja além das picuínhas e do caos do dia a dia… “Ama e faze o que quiseres” como diria Santo Agostinho. Acho que vamos caminhar mais para relacionamentos satisfatórios e engrandecedores quando deixarmos o amor falar mais que nossas emoções animalizadas: a raiva, o orgulho, o egoísmo… e devíamos treinar nossa generosidade, admiração, abnegação com a pessoa que mais amamos e elegemos para ser nosso par… sem colocar a tarefa homérica de nos fazer feliz sobre os ombros de nosso amado, e nos esforçando de nossa parte para sermos “a pessoa certa”, sermos o que queremos do outro, e para nós mesmos… difícil? Pode ser… mas alguém tinha falado que grandes coisas são fáceis?
Achou que isso é uma divagação boba? Estou fora da realidade? Conseguiu construir um jeito bacana de dialogar na sua relação? Me conta?
Ah, antes que eu me esqueça, as lindas aquarelas são do pintor americano Steven Hanks!